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"Fomos recebidos à tiros:" a mesma história, as mesmas vítimas.

De (supostas) troca de tiros a balas perdidas: sempre encontram as mesmas vítimas.

Mesmo alvo, mesmo corpo, mesma raça, mesma cor e mesma história; uma cultura que alimenta cada dia mais o genocídio da juventude negra.

A infeliz recorrência de chacinas no Brasil nos permite delinear alguns padrões persistentes: pretos e pobres vivem com um alvo pintado nas costas. As operações policiais sempre resultam na interrupção da vida de jovens negros e periféricos. Adolescentes e jovens com sonhos cessados. Guarda-chuvas confundidos com fuzis. Crianças que são mandadas às escolas pelas mães e devolvidas pelo Estado cobertas de sangue, sempre com a justificativa de que foram recebidos por trocas densas de tiros. "Mais uma mãe revoltada e uma pergunta sem resposta, como o policial não viu seu uniforme da escola? Vinicius é atingido com a mochila nas costas". Trecho de DK, em Favela Vive 3. O questionamento segue sendo o mesmo: que arma letal carrega uma criança?

Chacina do Jacarezinho. Chacina no Cábula. Chacina em Paraisopolis. Caso Ágatha Vitória. Caso Evaldo Rosa. Caso de Kethlen Romeo. Recentemente, na região metropolitana de Salvador, Wendel Souza (14) foi atingido no braço enquanto empinava arraia, e policiais chegaram de carro e começaram a atirar aleatoriamente. Os moradores alegam que não houve troca de tiros. Mara, mãe do adolescente, contou que tentou se aproximar do filho, mas foi impedida pelos PMs e que, em seguida, após sair andando foi colocado dentro de uma viatura, onde foi constatada a sua morte. Todos os dias as mesmas histórias e ainda insistem no tratamento de casos isolados. Não é caso isolado se o sangue jorrado são sempre dos mesmos corpos.

O que explica a disparidade de mortes entre jovens brancos e negros não é apenas racismo estrutural, é terrorismo de Estado, políticas de genocídio e projeto de extermínio da população negra. E nada justifica. Absolutamente nada. Nem mesmo pela conivência caracterizada pela máxima de que "bandido bom é bandido morto", o que desrespeita e infringe uma série de direitos e garantias constitucionais. Um Agente do Estado não tem propriedade para interromper a vida de ninguém. É garantido por Lei, segundo o Art. 5º da Constituição Brasileira que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" abrangendo também bem como o direito à defesa e ao justo julgamento a quem seja acusado de um crime, não levando-o a morte. É sempre bom lembrar que não consta Pena de morte no Brasil e que essa justiça de olhos fechados só se aplica dentro das favelas a corpos direcionados; os brancos sempre têm direito a ressocialização e mudança de vida, enquanto aos pretos só resta uma saída: mortes e chacinas.

Curiosidade: Você já ouviu falar em "autos de resistência"? É como são chamadas as mortes cometidas por agentes de Estado durante uma operação a qual eles sempre se defendem com "recebidos a tiros". Os relatórios indicam que o alvo das investigações desses atos é sempre a vítima e são caracterizadas pelas condições e vivências do morto - o local e como vive - juntamente com uma narrativa construída por PMs, com provas manipuladas e testemunhas ignoradas; assim, pouco se fala da postura dos policiais, o que legitima suas ações por ocorrerem em favelas e tira de si a responsabilidade, na maioria dos casos culpabilizando a vítima.

Texto por: Stefani Barros