Pensar a ideia de meritocracia em um país como o brasil, no qual se tem um cenário social onde grande parte da população vive em situação de pobreza ou abaixo dessa linha, além de ser extremamente contraditório, é perverso. Tal questão se dá pelo fato de que as possibilidades de ascensão social para a grande parte da população pobre, são quase inexistentes, o que se alia à divisão racial existente, na qual mesmo que hajam duas pessoas igualmente pobres e com as mesmas potencialidades, porem de diferentes tons de pele, disputando uma vaga de emprego, a pessoa escolhida será a que mais se aproximar do "branco". Ou seja, a população negra tem mais chances de vivenciar a pobreza extrema. Os 500 anos de escravização ainda se perpetuam socialmente.
“Servi
no exército, fui o melhor... e agora estou aqui.”
"(...)
eu não sou bandido”
A história de Mané Galinha (Manoel Machado) apresentada no atemporal filme “Cidade de Deus”, juntamente às demais histórias, configuram o cotidiano vivenciado pela maioria da polução residente nas periferias – não coincidentemente pessoas negras- do Brasil. No filme baseado em fatos reais, Mané Galinha é um cobrador de ônibus que já serviu ao exército e segundo ele mesmo, teve destaque como um dos melhores. Ao longo de sua história, ele aparenta ter valores que transcendem a realidade do crime e tráfico à sua volta, de modo que sempre demonstra acreditar na educação como melhor arma. Mas diante das adversidades que atravessam o seu destino, ele se vê direcionado a integrar as más estatísticas.
A disseminação do mito da
meritocracia no Brasil possibilita o desenvolvimento da visão deturpada de que
se pode “vencer na vida” unicamente por merecimento, ou seja, a pessoa que
trabalha 10 horas por dia para ganhar um salário mínimo possui as mesmas chances
de ascender socialmente que uma pessoa que trabalha 5 horas por dia em uma
empresa familiar e “conquista” o triplo
do salário mínimo ou mais mensalmente. É também esse mesmo ideário que provoca
um cenário de adoecimento e sofrimento para a população negra uma vez que, mesmo
inconscientemente, há uma adesão dessa ideia e, querendo ou não, é o que motiva
os inúmeros "corres" diários, na perspectiva de que só assim, correndo incansavelmente, se torna possível prosperar.
“No primeiro assalto, Mané Galinha salvou a vida de um trabalhador. No segundo assalto, Cenoura salvou a vida do Mané galinha e ele entendeu que pra toda regra há uma exceção. No terceiro dia de assalto, a exceção virou regra.”
“Eu fumo, eu cheiro, já
matei e já roubei. Eu sou sujeito homem.”
-Filé com Fritas
A adultização precoce, os
caminhos trilhados e obstáculos encontrados viabilizam que as portas para o
mundo do “crime” estejam sempre abertas, de forma que qualquer “deslize” leve
até ele, seja qual for o objetivo e a idade, como no caso de Mané Galinha. Diante
disso, a ideia de meritocracia se torna inconcebível e as exceções passam a ser
pessoas que não se tornaram estatísticas, por isso cada ano de vida é motivo de
alegria.
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