O grupo Quebrada Queer chegou em 2018 decidido a firmar o espaço da comunidade LGBTI+ dentro da cena rap nacional. Enquanto os MC’s Guigo, Murillo Zyess, Tchelo Gomez, Harlley e Lucas Boombeat lançaram a primeira cypher gay e negra da América Latina, a beatmaker Apuke logo se uniu à equipe para o lançamento de seu primeiro EP: “S.E.R. (Sobre Existir e Resistir)”.
Além de uma temática por si só provocadora, o trabalho se destaca por um cuidado técnico em todas as etapas envolvidas no trabalho. De beats inovadores a letras que mostram muitos detalhes sobre como é ser um jovem LGBT, negro e periférico no Brasil, a estética em momento algum foi deixada de lado. Além de escolher um modelo inovador de vídeo de divulgação (batizado como “visual audio”), a capa do trabalho é uma obra de arte a parte.
Retratando os 5 MC’s e a beatmaker deitados, dando os braços uns aos outros, a capa passa uma mensagem de união, de retorno às raízes, de reflexões sobre o “SER”. Para entender melhor tudo isso, conversamos com as quatro pessoas envolvidas: o MC Tchelo Gomez, o maquiador Rudson Motta, o fotógrafo Cristiano Rolemberg e o designer e ilustrador Ramon Afonso.
Confira:
O PEDIDO
Tchelo detalhou como foram tomadas as decisões para a construção da capa:
A primeira escolha foi entre Ilustração ou Fotografia. Como no grupo do Quebrada Queer somos uma democracia, a maioria votou por Fotografia. Na escolha do fotógrafo pensamos no ErnnaCost, que hoje é o fotógrafo da Pabllo Vittar. Nós conhecemos o Ernna quando desfilamos para o Felipe Fanaia na Casa de Criadores neste ano. Outra opção foi o Cristiano Rolemberg, que fez as fotos do nosso single “Pra Quem Duvidou”.Como o Ernna estava fazendo vários trabalho com a Pabllo, optamos pelo Cris. Ambos são incríveis, cada um a sua maneira e identidade artística mas, para esse trabalho, optamos pelo Cris.
Sobre o conceito das fotos, eu tenho uma foto com um grupo de amigos que achei interessante de aproveitar a ideia. Mostrei no grupo do Quebrada. Na foto todos estão conectados, deitados e a foto foi tirada de cima para baixo. Gostaram dessa referência e aí passei a procurar outras referências, outras imagens na mesma pegada. Sobre as cores, pensamos em tons terrosos e nude e eles gostaram. Já tínhamos feito um show com essa paleta de cores e eles gostaram. Pensamos se seria necessário um ensaio nú, mas achamos legal ser apenas com poucas roupas.
Para o design, chamamos o Ramon Afonso que foi quem fez a capa do single “Pra Quem Duvidou”, assim como o Rudson Motta que foi um dos maquiadores do videoclipe. Nós nos reunimos na casa do Luiz Becherini, que é quem faz muitas fotos nossas, edita e quem fez os visual áudios. Lá na casa dele fizemos as fotos e os vídeos. Tentamos várias posições e, de cara, foi essa foto que gostamos.
Passamos a foto para o Ramon e pensamos “menos é mais”. Eu, que sou publicitário, chato pra caramba, estava coordenando isso com ele. Disse que precisava ter o “SER” na capa, não necessariamente precisaria ter o logo do QQ, mas precisaria ter o nome do Quebrada Queer, assim como o “Sobre Existir e Resistir”, que é o significado do nome do EP. O Ramon então desenvolveu o “SER”, formando o nome certinho com a ligação dos nossos braços. Ele também deu uma tratada na imagem e mudou o fundo, que era cinza escuro.
A MAQUIAGEM
Rudson Motta, de Fortaleza (CE), mora hoje na capital paulista onde desenvolve seu trabalho como maquiador. Começou com maquiagem social e aos poucos migrou para maquiagem especial para TV, cinema e teatro. Já tendo feito alguns trabalho com a Aretuza Lovi, conheceu os meninos do Quebrada, fez a maquiagem do “Guerreiros e Guerreiras” (single solo do Lucas Boombeat), da cypher do QQ, assim como integrou a equipe de maquiagem do clipe “Pra Quem Duvidou”. Hoje Rudon também trabalha com a poetisa e cantora Kimani.
Eu inicialmente conheci o Tchelo em uma rede social. Começamos a conversar, ele estava prestes a gravar o videoclipe “Tum Tá”. Eu comentei que, se ele quisesse, poderia dar essa força. Ele disse que já tinha chamado outra pessoas, mas comentou que um amigo dele estava precisando. Então fiz “Guerreiros e Guerreiras” em dois dias, com o Lucas, e foi maravilhoso!
O convite para o ensaio fotográfico para a capa do EP foi bem natural. Como eu estou com ele desde o primeiro videoclipe, sempre que eles fazem algo grande, importante, me chamam. Nós então fizemos o ensaio fotográfico e a filmagem tudo no mesmo dia, foi uma loucura.
Na make do EP, nós queríamos algo mais clean. Algo que remetesse a quem as pessoas são, sem máscaras. Eles me passaram a paleta de cores em tons terrosos e eu amei porque eu acredito que todos nós viemos ao barro e ao barro voltaremos. Também acredito que todos nós somos marrons. Enquanto maquiador, estudei as cores e todo ser, independente da cor, tem as três cores primárias em seu tom de pele: o azul, o vermelho e o amarelo. E misturando essas três cores, se dá o marrom.
Sobre o trabalho em si, cada um no Quebrada Queer tem um visual diferentes. Esses visuais se complementam, mas tem suas particularidades. O Murillo não gosta de muita coisa, gosta de algo bem no tom da pele. Então meu trabalho com ele é leve, de luz e sombra, para evidenciar mais os ângulos do rosto dele, que é bem expressivo. O Harlleytambém: ele gosta de uma pele OK, gosta de uma certa cor nos olhos, então fica algo mais básico – até por ele ousar bastante com as perucas e ter um olhar bem expressivo. O Tchelo gosta de uma pele levemente iluminada com pouco efeito de luz e sombra no olhar. O Boombeat também: é uma pele levemente iluminada, a sobrancelha sempre muito bem marcada e o olhar intenso. O Guigo é a Barbie (risos). É aquele que a gente surta pra fazer a maquiagem, é maravilhoso. Ele é um andrógino que a gente pode fazer olho, pode apagar a sobrancelha, pode fazer marcação colorida.
Voltando para o Lucas, como ele é alto e tem porte, a gente sempre faz muita coisa de tendência. No QQ2 [“Pra Quem Duvidou”] usamos uma pegada mais de moda, mais conceito que foram as folhas de ouro coladas no corpo inteiro dele. No Tchelo fizemos o olho, mais marcado, diferente do Harlley que gosta de um olho mais esfumado.
Foto por; Cristiano Rolemberg
A SESSÃO DE FOTOS
A sessão de fotos foi realizada com Cristiano Rolemberg.
O Lucca Willians é um produtor amigo meu que estava auxiliando na produção do clipe de “Pra quem duvidou“. No dia da gravação ele entrou em contato comigo perguntando se estava livre, e se tinha interesse em fazer algumas fotos de making of para registro mesmo do dia. Interesse em fotografar sempre tenho, e coincidentemente estava livre no dia. Separei equipamentos, e levei uma soft pequena, tripé e speedlight para tentar fazer alguns retratos, além das fotos de making of. Chegando lá vi que o Valdinei Souza(@vxldinei) já estava fazendo fotos do making of, então perguntei se poderia fazer somente alguns retratos dos integrantes e aceitaram. Quando enviei as fotos pré editadas para escolherem quais gostariam que fizesse edição final, fui surpreendido com o pedido para utilizar as fotos para a capa do single. Quando vi a arte da capa feita pelo Ramon Afonso (@ramon.afonso) achei sensacional. Claro que o resultado só foi possível também por causa do figurino pensado pelo @roberdognani e make do @rudsonmotta. Poderia resumir tudo isso simplesmente dizendo… Tudo começou já na capa do single “Pra quem duvidou”, mas a história toda é mais legal.
Sobre o ensaio para a capa do EP: Poxa, na verdade quem entrou em contato comigo já passando todas as informações de como o grupo gostaria das fotos foi o Tchelo. Então na verdade estava tudo meio decidido já. Me enviaram o mood e pensei em como associar a idéia ao meu estilo de fotografia, que sempre procuro trabalha com mais sombras e contrastes de luz, bastante inspirado no estilo Chiaroscuro, muito usado por Caravaggio, que é uma das minhas maiores referências para fotografia.
Não sei muito como falar sobre a construção do ensaio, porque apesar de pesquisar referências com base no que o Tchelo me passou via whatsapp, e o mood também enviado por whats, acho que a execução foi muito baseada em referências que adquiri ao longo do tempo. Mas a ideia do grupo desde o começo era utilizar tons terrosos e nude.
Arte no Brasil é uma coisa que precisa de muito amor (risos). Quando o Tchelo passou as informações pensei logo em fazer em estúdio, porque assim poderia criar usando mais luzes, de cara pensei em usar um fundo cinza para auxiliar na arte do Ramon porque muito provavelmente seria necessário recortar os personagens das imagens, e isso facilitaria o trabalho dele. Entrei em contato com um grande amigo e também fotógrafo, o Flávio Russo, que é proprietário do Studio 70 no Morumbi (@studio70rental), expliquei a situação e ele colocou o estúdio à disposição para fazermos as fotos em um domingo (12/11) para que não precisássemos nem pagar a locação. Lembra que falei que no Brasil arte precisa de muito amor?
Então… Dia 12/11 o QQ faria show em Piracicaba, ou seja… Esqueçamos o estúdio. Marcamos então de fazer as fotos no dia 08/12 na casa/estúdio do @luizbecherini. Confesso que fiquei meio assustado com o espaço que tínhamos para fazer as fotos do grupo, mas me comprometi com eles, tinha que fazer funcionar. O local onde montamos o fundo cinza deve ter 4,00×3,00m, e era o que tínhamos para fazer.
Começamos tentando uma coisa mais posada com metade do grupo agachada e a outra em pé, fizemos algumas opções. Depois partimos para a segunda tentativa, colocando todos sentados em círculo, um de costas para o outro e todos jogando as cabeças para atrás. Até que, não sei quem foi até hoje, alguém teve a idéia de todos deitados no chão, e disso me veio uma cena bem marcante do seriado Hanniball, então aí pedi para deitarem as cabeças uns sobre o corpo do outro e entrelaçarem os braços. Subi em uma escada que “roubamos” do prédio do Luiz, e assim nascia a foto de capa do EP SER. Claro que mais uma vez, e sempre vou ressaltar… Não seria possível fazer essa e outras fotos do grupo sem o auxílio de todos os envolvidos na produção que, mais uma vez contou com beleza do @rudsonmotta e a arte final do @ramon.afonso.
P.S.: após as fotos devolvemos a escada do condomínio.
A EDIÇÃO FINAL
Ramon Afonso tem 22 anos e é formado em Animação pela Faculdade Senac – Santo Amaro, como bolsista do PROUNI. Se especializou em Design para Propaganda e Publicidade. Hoje trabalha na 3 Apitos Esporte + Cultura, uma gestora de cultura e esporte. Sempre morando na zona sul da capital paulista, conseguiu desde pequeno realizar cursos gratuitos de música. Sempre influenciado ao caminho artístico pela mãe, gosta de criar.
Conhecer o Quebrada Queer foi um processo muito louco. Sempre gostei do trampo do Guigo e do Murillo. Tinha uma época em que eu ouvia muito “Dandara” [faixa do EP solo do Guigo que conta com feat do Murillo Zyess] e sempre foi uma música forte para mim. Decidi fazer uma arte inspirada naquele som onde eu inseri a Dandara na beira de um rio. Postei e mencionei o Guigo.Ele amou, me agradeceu e começamos a nos falar mais a partir daí. Depois de algum tempo ele me chamou no whatsapp para participar do “Pra Quem Duvidou”, para fazer a capa do single. Eu nunca tinha feito, mas topei. Ele me mandou as fotos e o resultado deu super certo. Foi bem rápido, mas intenso. E assim fui convidado para fazer a capa do EP: através do convite do Guigo.
O conceito da capa do EP veio de alguns direcionamentos prévios. É importante ressaltar que nenhuma etapa foi feita por um profissional só, tivemos muita gente envolvida como o Rudson Motta na maquiagem e o Cristiano Rolemberg na fotografia. Eles são incríveis, profissionais maravilhosos. E nada teria acontecido se eles não estivessem com a gente desde o começo.
Após o ensaio, escolhemos a foto. O Cris tratou e me enviou. Eu fiquei uma semana tentando pensar em algo para a capa. Já tínhamos um direcionamento e a ideia era manter a paleta de cores nude, com tons terrosos, por ser um álbum que exigia isso. Fomos seguindo nesse conceito, ao mesmo tempo em que eu precisava inserir o nome do EP na imagem, assim como o nome do grupo.
Teve um momento em que eu estava voltando para casa, olhando para a foto e eu encontrei, eu vi nas linhas dos braços deles como se tivessem escrito “SER”. Fui seguindo com o meu dedo e consegui escrever “SER” nos braços deles. E não foi nada ensaiado! No ensaio eles se posicionaram assim e eu consegui ver a escrita. Essa foi a primeira proposta que eu desenvolvi, pensando nisso.
e trabalho técnico, eu também removi o fundo cinza que foi usado na fotografia e substitui por esse tom de terra, seguindo o manual dos meninos. Então não teve muito tratamento, foi mais uma questão de composição usando a foto mais pura possível.
É bem importante ressaltar que esse trampo é totalmente independente e que contou com muita gente com muita vontade de fazer acontecer. Todo mundo se doou por inteiro e correu muito para sair da melhor maneira possível. É muita vontade e muito prazer de fazer isso.
Matéria por; Arthur Venturi
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