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“Sente o grave como bate”?! A banda OQuadro nos concedeu entrevista!



Na estrada há mais de 20 anos, OQuadro reúne referências rítmicas que marcam sua originalidade musical num compromisso estético e histórico com as expressões da herança africana na diáspora. Além da singularidade no seu trabalho, o grupo de Rap Ilheense traz na bagagem turnês nacionais e internacionais, e trabalhos com grandes nomes da música. O álbum mais recente da banda, “Nêgo Roque”, lançado em Novembro de 2017 e conta com participações como BNegão e Emicida. OQuadro também acaba de estreiar como trilha sonora de novela, em “Segundo Sol” (horário nobre da Rede Globo), com a música “Ta Amarrado”, do albúm “OQuadro”(2012).


Com um currículo desses, a banda que é composta por Jef Rodriguez (voz), Nêgo Freeza (voz), Rans Spectro (voz), Ricô (voz/baixo), Rodrigo DaLua (Guitarra e Synth), Vic Santana (bateria), DJ Mangaio (programações) e Jahgga (percussão), certamente tem muito conhecimento pra compartilhar. O portal Vandalize foi beber um pouco dessa fonte e compartilha com vocês essa entrevista, que é “Muita Onda”!

VANDALIZE: OQuadro é um grupo de Rap diferenciado desde a sua composição, já que, além de MCs e Dj, conta com um instrumental orgânico – uma banda completa – como surge essa formação?

Jeff (OQuadro): Quando começamos não tínhamos acesso a estrutura típica que os grupos de rap usavam (pick-up, sampler, bateria eletrônica, MPC) nem computador existia (pelo menos na nossa região), então nos viramos com o que tínhamos acesso, ou seja, os instrumentos tradicionais, bateria, baixo, guitarra, percussão. Isso acabou determinando um estilo, um conceito, que chamou a atenção de algumas pessoas por aí.

VANDALIZE: Em 2013, vocês fizeram uma turnê internacional. Como isso aconteceu e o que significou pra carreira da banda?

Jeff (OQuadro): No dia seguinte ao lançamento do nosso primeiro álbum em 2012 aconteceu uma seleção de bandas baianas em Salvador, dentro do contexto “bass culture”, para um intercâmbio com outros artistas de Londres. Apresentamos nosso trabalho e fomos selecionados. Foi uma experiência importantíssima por todos os motivos, sejam eles artísticos, pessoais, profissionais, enfim. Conhecemos de perto os bastidores de um universo artístico que só vislumbrávamos pelas informações que chegavam até nós. Nesse mesmo ano fomos convidados a fazer outra turnê ainda maior, tocando em grandes festivais como o Bestival, Number 6 (País de Gales), entre outros. Em 2015 fomos pela terceira vez e fizemos Alemanha e Dinamarca (Roskilde Festival). Fizemos contatos, amizades, conexões e algumas dessas pessoas temos contato até hoje. Experiência enriquecedora.

VANDALIZE: Desde o álbum “OQuadro”(2012) à “Nêgo Roque”(2017) percebe-se que o compromisso da banda com o que vocês mesmos chamam de “música negra contemporânea” perpassa desde a estética à lírica das músicas. Quais as principais influências da banda?

Jeff (OQuadro): Gostamos de música, cinema, moda, quadrinhos, tecnologia, história, filosofia, arte visual, política, teatro, performance, etc, sem perder de vista quem somos e de onde viemos. Estamos desbravando terrenos selvagens, muitos tentam nos enquadrar numa prateleira, como se houvesse um lugar para o negro, um lugar para quem vem do interior da Bahia, um lugar para o jovem periférico e nós não reconhecemos essas limitações impostas, pelo contrário, rasgamos esses rótulos. Então essa luta também acaba cumprindo um papel importante em nossa arte e em nossa trajetória

VANDALIZE: O álbum “Nêgo Roque” foi um projeto selecionado para receber o patrocínio do edital Natura Musical e do Governo do Estado, através do FazCultura (Secretarias da Fazenda e da Cultura do Estado da Bahia). Para vocês essas políticas de edital voltada para cultura tem modificado a cena musical baiana?

Jeff (OQuadro): A Bahia é muito grande, então não posso falar pela cena baiana, mas posso falar que os editais foram muito importantes para OQUADRO e para vários outros artistas numa época em que a monocultura imperava e só se falava na Bahia do axé. A ampliação das políticas públicas de cultura para outros estilos e para além da capital mostrou um Bahia ainda maior do que era vista até então. Isso não quer dizer que todos foram contemplados e que os problemas de visibilidade acabaram, ainda há muito a ser feito.

VANDALIZE: OQuadro hoje tem feito apresentações em grandes palcos e lines em todo país. Pode-se considerar que vocês fazem parte do meanstream do Rap? Qual a relação de vocês com a cena underground baiana?

Jeff (OQuadro): Estamos longe de sermos do hype do rap ou de qualquer esfera da música. Não temos um número de views ou uma receita anual que nos coloque nesse patamar. O que temos é uma música forte que gera uma identificação com as pessoas, que toca nas emoções e dialoga com suas histórias pessoais. Conhecemos pessoas que já tatuaram nossas letras ou as nossas capas e isso é muito gratificante. Os que nos ouvem pela primeira vez sempre se surpreendem e se perguntam por que não conheciam antes.  Ainda somos uma banda underground mesmo tocando nesses lugares. Por mais que nossa sede seja em Salvador hoje, somos de Ilhéus e conhecemos muitas grupos e artistas da região, seja na música, no teatro, na literatura, enfim, todos na luta como nós.

VANDALIZE: Como uma banda de influências rítmicas diversificada, o que vocês acham do revezamento entre trap e boombap que ainda predomina a cena?

Jeff (OQuadro): Gosto dos dois, mas a música da cultura hip-hop é muito maior do que isso. Existem vários outros estilos e formas de fazer. Houve um afunilamento histórico proporcionado pela indústria e pelo jornalismo que acabou limitando o olhar de quem conhece o rap a partir dos anos 90. Mas quem for mais curioso e for além, vai se deparar com um universo de possibilidades.

VANDALIZE: Qual recado ou conselho vocês podem dar pra galera que está começando ou que já tá na pista mas não conseguiram atingir um público significativo?

Jeff (OQuadro): Tem certeza que é isso que você quer para sua vida? Se tiver, continue estudando e fazendo da melhor forma possível. Não olhe para sua arte com apego, seja crítico com o que você faz da mesma forma que é crítico com os que você escuta. 


Matéria por; Karen Oliveira