Lucas dos Santos Fidelis mais conhecido como Lucas Boombeat, integrante do grupo Quebrada Queer, grupo esse que foi estouro na cena do rap trazendo os LGBTS para os olhos da cultura hip-hop de uma forma surpreendente, mesmo o hip hop sendo uma arma que luta contra o preconceito, existe pessoas que ainda são preconceituosas, homofóbicas e etc.
Lucas reside em Jardim Martins Silva, extremo norte de São Paulo. Escreve desde os sete (7) anos, começou no rap ano passado quando foi a alguns “rolês” com a Bivolt, eles se conhecem desde o tempo da escola. O mesmo a acompanhava nas batalhas, mas não se via dentro do hip-hop por ser “bixa”, as meninas já sofriam/sofrem, imagina ele?
Ficou curioso para saber mais, né? O Vandalize resenhou com Lucas, saiba mais sobre a carreira e a vida do artista:
VANDALIZE: O rap sempre foi uma ferramenta de protesto, porém com alguns mc’s que nas letras falavam e falam sobre mulheres, drogas, ostentação e etc… Hoje com a visibilidade e a crescente da comunidade nessa vertente, isso pra eles muda todo o cenário, podemos ver isso pelo fato de que muitos deles explicitamente ainda mostram ser homofóbicos e machistas, com aquele ditado de: Rap é coisa de sujeito homem. Pra você, como é viver no rap tendo que lidar com cantores que ainda tem esse pensamento?
LUCAS BOOMBEAT: Conviver no rap tendo essas pessoas é um processo natural pois na sociedade já encontramos isso, na nossa família, na escola, em todos os lugares encontramos esse tipo de gente, não só no rap. Acho que o rap é uma foto 3×4 da sociedade. É foda porque isso atrapalha a nossa chegada aos lugares, sabe? São menos oportunidades, são pessoas que poderiam estar agregando, mas ao mesmo tempo eu me sinto bem a não estar com pessoas assim, ruim é homofobia mesmo, referente a esses mcs ai que cagam nas letras e nesses discursos, eu to cagando pra eles, vou continuar fazendo meu trampo, se eles se incomodarem eu não posso fazer nada, vim pra espelhar minha arte, ninguém vai me segurar mais. Trabalho sempre, não desistir, não perder meu foco. O triste é as oportunidades que acabam ficando mais difíceis mas a gente segue mesmo assim.
VANDALIZE: Sabemos que você faz parte de um dos grupos que está em ascensão, sendo referência para jovens que curtem e são do rap, que sofrem ainda por ser LGBT, como dizem por aí… você é um “ícone” de inspiração! Hoje, como todos os artistas você tem um enorme compromisso com o seu público. Mas antes disso tudo surgir, antes da fama… O que era o Lucas? Qual era o seus planos? E vendo tudo isso ao ser redor, shows, entrevistas, viagens, como você lida com isso?
LUCAS BOOMBEAT: Na real antes disso tudo acontecer na minha vida eu era um garoto sonhador como varias pessoas que sonham viver da sua arte, só faltava coragem mesmo, eu tinha muito medo por histórico de rejeição na vida e por vários fatores, desde ser filho bastardo, por ser bixa, por ser preto dentro de uma família em que fui criado por dois homens brancos, varias coisas me fizeram ter medo, hoje eu entendo, e depois que eu passei a entender tudo isso, eu comecei a criar coragem pra falar não, isso não é um problema que vem de mim, isso é um problema externo, e antes eu era essa pessoa que sonhava mas tinha medo desses fatores. Trabalhava com telemarketing, fui garçom, já trabalhei na praia, já trabalhei de tanta coisa, eu sai do telemarketing e decidi viver de musica sem ter um norte, só sai falando pra minha chefe que ia viver de musica e está dando certo, o meu plano sempre foi fazer musica, já pensei em fazer faculdade mas eu sentia que não era pra mim ao mesmo tempo. Eu sempre acreditei muito, mesmo sem saber fazer, sem ter recurso, eu acreditava. Meu plano sempre foi estar no palco cantando independente do que me fosse trazer de volta isso e vendo tudo acontecer é meio louco, é um processo meio complicado, tenho que trabalhar o psicológico direto pra conseguir separar o artista da pessoa. É um sonho, ainda ta caindo as fichas aos poucos. Agora a pouco um menino veio me cumprimentar e eu falei “oi, o que aconteceu?”, ele disse “obrigado pelo seu trabalho”. São coisas que vamos entendendo aos poucos a responsabilidade disso tudo.
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LUCAS BOOMBEAT: Quando falei que queria fazer isso, muitos anos atrás, ainda eu era adolescente, nunca tive apoio, as pessoas riam da minha cara, a primeira pessoa a acreditar em mim externamente foi a Bivolt, desde a escola, eu escrevia as musicas e ela cantava no festival da escola, nesse corre do rap também foi ela, eu sai do trabalho a gente se reencontrou, ela foi a primeira a acreditar. Isso já serve como uma dica, tudo mudou quando eu acreditei em mim, quando me perdoei de tudo que aconteceu na minha vida, quando joguei luz em todos os pontos escuros. Pra mim, o que faz isso acontecer na minha vida é o fato de ter acreditado, mesmo quando não tinha ninguém a minha volta dizendo que eu podia, eu não cantava, eu não tinha violão, mas eu sabia que era isso que eu tinha que fazer. Então, eu falo pra todo mundo que eu conheço: se sua alma ta falando que é isso então acredita, você não pode desistir não, você tem que continuar acreditando mesmo que tudo esteja do avesso. Como você vai conseguir aquilo sem continuar acreditando? A maior chave disso tudo acontecer é você mesmo.
VANDALIZE: Você sempre mostra indignação e “ataca” muitos homofóbicos/transfóbicos. Guerreiros e Guerreiras é uma música onde você ressalta em tom de fúria uma frase “LGBT resiste! LGBT insiste! LGBT persiste!” O problema vivido por nós LGBTs não é o rap em si, e sim a sociedade em geral. Como é ter essa responsabilidade em bater de frente e transformar essa resistência em versos?
LUCAS BOOMBEAT: É muito satisfatório pra mim porque durante muitos anos eu me via perdido musicalmente falando, de tentar expressar o que eu sentia, o que eu vivia e o rap pra mim veio pra trazer minha luta diária, toda minha percepção de vida, de temas, de causas sociais. O rap abriu minha visão pra eu falar ‘’porra, é isso’’, me da a possibilidade de ter um dialogo muito maior dentro de uma musica e as vezes não são poucas coisas pra explicar em poucos versos. Cara, pra mim é uma realização e uma responsabilidade muito grande também com minha postura, com o que eu vou falar, com o que eu vou escrever, muito mais do que antes porque a melhor parte disso tudo é você ver o retorno da galera, quanto isso significa pra elas, o quanto salva, porque é isso… o rap salva vidas. É um processo muito natural e eu falo tudo isso em rimas, foi onde eu me achei, foi nem eu que escolhi o rap, o rap me escolheu. Salvou a minha vida, e através do meu rap eu salvo outras vidas, é mexer com alma, sabe? É a cura! Pra mim o rap é cura, musica é cura!
VANDALIZE: O público necessitava de novos artistas que representasse a comunidade LGBT. Assim também como o Linn, Glória Groove, Rico Dalassam, Hiran… Qual a sensação de fazer parte desse círculo de grandes artistas conquistando visibilidade?
LUCAS BOOMBEAT: É uma sensação muito louca, até hoje não caiu a ficha pra falar a verdade. São artistas que até ontem eu estava cantando, admirando e batendo palmas em casa, é meio sem palavras. Eu já convivi com essas pessoas além de não ta só no mesmo corre mas também conviver, ter amizade, fazer som juntos, trocar ideias… Isso é um sonho, é o que eu sempre sonhei, pra mim é um presente do universo, me ensinam muito e hoje eu posso ta compartilhando um pouco do que eu aprendi na minha vida e está junto deles é muito foda.
VANDALIZE: Por a maioria dos integrantes do VANDALIZE ser de salvador ficamos felizes quando soubemos que QuebradaQUEER estariam aqui na Batekoo e logo em seguida mais surpresos ainda quando recebemos a notícia que estariam também na parada LGBT. Não quero que conte exclusivamente para o Portal, fala para os soteropolitanos como foi estar em salvador com sua equipe participando desses dois eventos, vocês pensam em voltar mais vezes?
LUCAS BOOMBEAT: Com certeza eu penso em voltar mais vezes, não só eu mas como todos da QUEBRADA, nos sentimos muito acolhidos em Salvador, as pessoas, as energias, os shows, foi surreal. É um carinho muito único, a gente não vê a hora de voltar, já estamos vendo uns esquemas ai pra podermos voltar pra Salvador e quem sabe esse ano ainda, além das pessoas o lugar é lindo, a comida é incrível. Ah! É muito coisa, Salvador é muito completo em alguns quesitos, entendo que ao mesmo tempo a gente foi com um lance de muita responsabilidade porque a gente sabe que é o estado que mais mata LGTB, a cidade né, já imaginando que ia ser uma coisa forte por conta desse fato então a resistência é maior nesses lugares, mas eu procuro levar coisas boas nos lugares onde eu vou, o resto eu levo como aprendizagem e bagagem. Salvador pra mim é um bagulho que eu nunca vou esquecer na minha vida, foi o primeiro lugar que o QUEBRADA foi para fora de São Paulo cantar e é sem palavras, muito obrigado por fortalecer nosso corre, e na verdade nosso primeiro fã clube veio da Bahia, fortalece a gente horrores.
VANDALIZE: Por fim, Lucas… Queremos agradecer pela entrevista, pelo cenário baiano de hip-hop, queremos agradecer também por todos LGBTs/negros a sua importância, você é uma grande referência. E abusando um pouquinho mais, deixe um salve para o seu público que com certeza vai amar esse papo que tivemos.
LUCAS BOOMBEAT: Primeiramente quero agradecer ao VANDALIZE pela oportunidade de passar um pouco da minha verdade, um pouco da minha historia, da minha visão pra todos vocês. O recado que eu quero deixar pra todos vocês é que em breve o QUEBRADAQUEER volta, tem muita coisa pra acontecer tanto na minha carreira solo quanto com o grupo, então aguardem. Vai ter meu EP esse ano, o ano não acabou quero que vocês fiquem cientes que só estamos começando e como eu digo no Guerreiros e Guerreiras: ‘’E pro seu pior tamo no comecinho, fi.’’ Estamos no comecinho, temos muito tempo pra gente escrever esse historia ai. Um beijo pra todos, muito obrigado e até a próxima, Salvador!
Nas redes: @lucasboombeat
Matéria/Entrevista por: Sabrina Rodrigues.
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