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Muito Além do LGBT: Identidade e Performance de Gênero


- por Arthur Venturi Vasen

            Nós, que lutamos pelo movimento Hip Hop tentamos ao máximo acompanhar tudo que acontece ao nosso redor, politicamente falando. Novas políticas públicas, novas situações econômicas e todas as ações envolvendo os movimentos sociais. Fazemos isso não apenas para promover um movimento mais consciente da realidade em que vivemos, mas também para entendermos quem somos, quais lugares ocupamos na sociedade, quais tipos de violência sofremos ou não em nosso cotidiano e quais oportunidades temos, através da arte, para nos expressarmos, lutarmos e reivindicarmos um mundo melhor para nós e para as próximas gerações.   
            Porém, como sabemos, a realidade brasileira, e do mundo ocidental como um todo, está repleta de transformações rápidas e mudanças abruptas, para o bem ou para o mal, o que dificulta que consigamos estar 100% ligados em tudo que nos cerca.
            Uma dessas dificuldades está relacionada com as novas formas de Identidade de Gênero, especialmente quando falamos sobre Gêneros Não Binários, um tema que aos poucos ganha mais espaço em rodas de discussão LGBTs e também feministas, com posições muitas vezes extremadas dos dois lados.
            Para isso, o Sintonia Rap publicará uma série de 4 colunas sequenciais falando sobre o assunto, buscando trazer o máximo de informações possíveis sobre o assunto de maneira que facilite diálogos saudáveis e conscientes sobre o tema e, quem sabe, possa promover algum tipo de autoaprendizagem e reflexão interior.
            Antes de tudo, é importante dizer que a proposta aqui é apresentar uma discussão e não falar tudo que existe sobre o assunto, por ser bem comprido. Para quem tiver interesse, sugerimos que busquem também outras fontes de informação e que conversem com pessoas que vivem essa realidade para que possam entender cada vez mais.
            Mas voltando - para começar essa história precisamos entender algumas coisas básicas: O que é sexo biológico? O que é gênero? O que é identidade de gênero? O que é performance de gênero?
            De forma resumida, podemos entender Sexo Biológico como as características cromossômicas e genitais das pessoas. Ou seja, a partir do fato da pessoa nascer com os cromossomos XY (o que codifica a formação de pênis) e XX (que codifica a formação da vagina), as pessoas são separadas entre “machos” e “fêmeas”: portadores de órgão reprodutivos masculinos ou femininos. Há também pessoas que, ainda no estágio fetal, desenvolvem genitálias não bem definidas (ter um membro com características de pênis e vagina), ou duas genitálias (dois pênis, duas vaginas ou um pênis e uma vagina). Então, pode-se ver que quando falamos em Sexo Biológico, estamos falando sobre características biológicas dos seres humanos.
            Gênero já entra em uma polêmica um pouco maior. Muitos cientistas, militantes feministas e pensadoras das mais diversas áreas buscaram entender e definir o que é gênero. De acordo com o dicionário, “é um conjunto de seres ou objetos que possuem a mesma origem ou que se acham ligados pela similitude de uma ou mais particularidades”, ou seja um “tipo” de coisas ou pessoas que são consideradas parecidas. Falando sobre gênero em humanos, entre várias pensadoras, Simone De Beauvoir afirma, no final dos anos 1940 que ninguém nasce mulheres, e sim torna-se mulher, apontando duas coisas: que existe uma diferença entre sexo biológico e gênero e que gênero é algo construído socialmente. A partir dessa noção é possível então entender que tendo em vista o sexo biológico com o qual determinada pessoa nasce, uma série de valores/comportamentos/julgamentos já passam a ser aplicados àquela pessoa que acabou de nascer ou ainda nem nasceu. Em quantas famílias, por exemplo, não é costume saber que uma mulher está grávida de uma menina e já surgirem falas do tipo “que lindinha”, “terá um casamento lindo”, “fará um marido muito feliz”, “será uma ótima cozinheira”; enquanto ao saberem da gravidez de um menino já surgem outros tipo de fala como “esse será muito macho”, “vai comer várias menininhas”, será um ótimo motorista”. Como muitas escritoras falam: nos dias de hoje o gênero de uma pessoa já é imposto sobre ela antes mesmo de nascer, antes mesmo de poder escolher/se descobrir. (Para quem tem interesse em se aprofundar mais nesse assunto, esse artigo do portal EntreAnas passa dicas de textos e de outros portais com informações úteis e atualizadas sobre isso).
            Identidade de Gênero já se relaciona com essa fala de Simone de Beauvoir de que o gênero não é algo com o qual se nasce, e sim algo desenvolvido ao longo da vida. Na Psicologia existe um longe debate sobre o que afinal de contas seria “identidade” mas, de uma maneira geral, pode-se dizer que é algo parecido como um espelho mental onde eu me vejo e me enxergo. Nessa definição “identificação” seria o comportamento de eu considerar uma pessoa parecida comigo a partir da imagem mental que tenho de mim mesmo e dessa pessoal. Como consequência disso, falar em identidade de gênero significa entender como, exatamente, a pessoa se vê em seu espelho mental: como enxerga seu corpo, seu sexo, suas características pessoais, seus interesses, sua carreira.
            Performance de Gênero já entra em discussões bem mais recentes, pensadas principalmente pela filósofa Judith Butler. Entre várias de suas contribuições para a filosofia, quando Butler fala sobre Performance de Gênero (a tradução literal seria “Performatividade”, mas nas militâncias e nas discussões, o termo “Performance” acabou se fixando mais), ela quer dizer que a partir da minha identidade de gênero, eu performo essa identidade de uma determinada maneira. Isso não significa que a vida é como se fosse um teatro e as pessoas fossem artistas que escolhem conscientemente uma atuação. Significa apenas que a partir da maneira como eu me vejo e em determinada situação, eu emito uma série de comportamentos que são associados a determinado gênero e que, a partir disso, as pessoas me atribuem um gênero (a partir da mentalidade delas) e que, de certa forma, a reação das pessoas me fazem pensar e manter ou eliminar determinados comportamentos.
            Como exemplo, podemos pensar uma pessoa, que se identifica como homem, cumprimentando seus amigos em uma roda de rap. Para varias, ele decide dar um beijo no rosto deles ao invés de apertar a mão. Uma das possíveis reações é que seus amigos estranhem aquele comportamento (por não ser “masculino”, ou seja: por aquela performance não ser considerada adequada àquela identidade de gênero) e façam piadinhas com isso, constrangendo o amigo que começou os beijos. Com isso, pode ser que o amigo se dê conta disso e decida que mesmo com as piadinhas, quer beijar seus amigos, ou que ele decida cumprimentar seus amigos apenas com um aperto de mão.
            Com isso, dá para perceber que todas as pessoas possuem uma identidade de gênero e performam esse gênero a partir das relações sociais que estabelece ao longo da vida. Ou, em outras palavras: não apenas mulheres e LGBT’s, mas todas as pessoas desenvolvem identidades e performances de gênero ao longo da vida, incluindo os homens heterossexuais.

            A partir disso, discutiremos na semana que vem sobre Identidades de Gênero Binárias e Não Binárias.