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Foi Ano Lírico Sim!



- por Arthur Venturi Vasen


                2017 não tinha nem chegado na metade e algumas pessoas já se encontravam cansadas do rap nacional. Letras sem sentido algum, proclamadas apenas pela técnica de flow e/ou beat, incitação ao consumo de codeína, ostentação de dinheiro, carros, mulheres e um público cada vez mais apático, irresponsável e conservador.

                Cada vez mais pessoas que cresceram ouvindo rap noventista, que já tanto se emocionou ouvindo Dina Di, Facção Central, Racionais MC’s, Sabotage e tantas outras lendas do gangsta, ficavam incomodadas com a falta de responsabilidade e proceder de tantos rappers e do público jovem que chega à cena sem compromisso.

                E não apenas os jovens: heróis do rap nacional como Fernandinho Beatbox, Douglas (ex Realidade Cruel) e Kaskão (Trilha $onora do Guetto) colocaram as asinhas de fora defendendo ideias conservadoras, mostrando maior ou menor apoio ao Bolsonaro e se posicionando contra a diversidade sexual e de gênero.

                Assim, em grande parte de 2017 se reforçou o discurso de que o tão prometido e aguardado Ano Lírico não aconteceu: assunto recorrente em grupos como a ODB e Rap Crú, páginas de rap e rodas de conversa entre amigos. Tratava-se de uma ilusão de marketing criada para autopromoção de rappers e reforço de discursos opressores sob a legenda de que estávamos vivendo a geração de “poetas no topo”.

                Ao final do ano, quando em um grupo de rap no Whatsapp surgiu o assunto “melhores do ano”, senti preguiça de sequer pensar no assunto. Porém resolvi me envolver e fiquei surpreso com o resultado.

- Flora Matos: “Bora Dançar”
- Rincon Sapiência: “Ponta de Lança”
- Glória Groove:  “Império”
- Rico Dalasam: “Procure”
- ABRONCA: “Chegando de Assalto”
- Omnira: “DNA do Protesto”
- Karol Conka: “Lalá”
- Souto MC: “Mambo”
- Lady Laay: “Bela, Recatada e do Lar”
- Brisa Flow: “Raia o Sol”

                Percebi que não apenas conseguia fazer uma lista de 10 melhores, como faltava espaço para tantos outros artistas. Mais do que isso, 90% da lista eram nomes de mulheres ou MC’s LGBTs. Então caiu a ficha: tivemos um ano lírico sim, mas não onde esperávamos.

                As letras realmente românticas de Flora Mattos, Brisa Flow e Rico Dalasam. Rimas contra o machismo e o racismo. ABRONCA e a valorização da periferia sem maquiagem. Letras que contam boas histórias. Os posicionamentos políticos e resistência nas letras de Souto MC. O enfrentamento do patriarcado nos videoclipes de Issa Paz e Sara Donato. A luta por abrir espaço no rap Nordeste por Lady Laay.  A luta pela igualdade de gênero, inclusive no sexo, com Karol Conká. A valorização das religiões afro-brasileiras da Omnira. O empoderamento de Glória Groove. Rimas rápidas com conteúdo. O engajamento de vozes como as de Dory de Oliveira, Clara Lima e Lívia Cruz . O que tínhamos dificuldade de ver no rap com grande repercussão na mídia, protagonizado por homens heterossexuais na faixa de 18 a 25 anos, esteve presente na maior parte das produções musicais femininas e LGBT’s.

                Perceber que passei 2017 escutando o trabalho de mulheres e LGBT’s tão talentosas me encheu de alegria. Aos poucos, estamos conquistando espaços , alcançando novos patamares e atingindo nossa sonhada representatividade na cena. Não que todos os problemas estejam todos resolvidos, mas também não se está mais na estaca zero.

                Todo o trabalho iniciado por Dina Di, Sharylaine, Rúbia RPW, Cris SNJ e que hoje atinge seu ápice com Karol Conka, Rico Dalasam, TFlow Emcii, toda a maravilhosa banca de mulheres da DMNA e da Batalha Dominação está surtindo um efeito. Um pequeno efeito considerando a cena como um todo? Talvez. Ainda se tem muito o que fazer? Com certeza. Mas se está no caminho certo.


 E antes de criticar o ano lírico, pense, repense, reanalise a cena e seus gostos musicais e descubra, como eu, que tem muita música boa sendo produzida sim, apenas não onde você esperava.