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A Caminhada dos “Poetas no Topo”




- por Nicholas Ornelas


26 de dezembro. Um dia que seria comum para as pessoas, reconhecido somente por ser o dia seguinte do Natal. Mas no ano de 2016, o mundo do rap – principalmente underground - sofreu uma enorme alteração nos modos de fazer a música, quando surgiu uma nova métrica que consistia em diversos emcees cantando em sequência, praticamente revezando rimas entre si, uma batalha saudável, com versos livres, sem o uso de refrão, chamado de Cypher. Visto no Brasil apenas em poucas oportunidades, como por exemplo, em “The Cypher Deffect” que consistia em apresentar ao público os integrantes do coletivo Damassa Clan, liderado pelo grupo Costa Gold, lançado em 2014 e a resposta em “Cypher Game Over” de 2015, que serviu de punchlines idealizados por Veagadoiz (VH2) em união da banca do grupo Terceira Safra, com participação de Coruja BC1, Dr. Caligari, Théo e Godô.
Esse tipo de projeto tinha certa popularidade no Rap norte-americano e francês, mas começou a tomar forma e crescer no Brasil em grandes proporções durante o ano de 2016, por uma nova onda de crews e selos de manos e minas em diversos locais do Brasil que passaram a fazer músicas em conjunto, como a banca da D.V Tribo de Minas Gerais, Chave Mestra de Pernambuco, coletivo Bloco 7 com artistas da Pirâmide Perdida do Rio de Janeiro, entre outras. Com lançamentos de episódios exclusivos no estúdio Casa1 capitaneados por Léo Cunha do canal Rap Box, que se assemelhavam ao estilo, artistas até então desconhecidos entre o mainstream do rap, conseguiram obter esse reconhecimento através dessa ideia criativa, como os sucessos vistos em “The Caverna Cypher” e “Fake Cypher”, produzido de maneira totalmente independente.
Paulo Alvarez, diretor da Pineapple Supply, se inspirou em um projeto feito por Lucas Malak com a produtora carioca Esfinge, chamado Favela Vive, este que pode ser considerado o cypher divisor de águas para que surgissem tantos outros nesse período de 1 ano. Através deste contato, nasceu o canal Pineapple Storm TV no YouTube que conta com o estúdio e produção da Brainstorm de Lucas Malak e a marca e contatos da Pineapple do Paulo.
Surgiram então, Poetas no Topo. Formato de cypher, ao melhor estilo Favela Vive, com um audiovisual elaborado pela parte de produção com o talentoso Slim Beats, do Rio
e o videoclipe e edição de muita qualidade feita pelo Gabriel Solano, Guilherme Brehm e finalização do próprio Paulo Alvarez.  Projeto pensado, mas faltavam os representantes da parada, então explano aqui agora o time que integrou a cypher e a caminhada de cada um antes do projeto e a mudança que projetou todos no cenário do rap nacional de um modo geral.

Makalister
Começando pelo Jovem Maka, conheci-o em uma rede social russa chamada VK, numa comunidade chamada Casa do Rap, oriunda de pessoas de diversas comunidades ligadas ao hip-hop vindas do Orkut, que teve seu fim em 2014. Makalister já soltava seus singles e EP’s ainda sem muito reconhecimento, onde muitos de nós do fórum já sabíamos que era um talento que se lapidado, se tornaria um dos grandes nomes do rap. Ao contrário do que muitos pensam o nome Makalister não é um nome fictício, mas sim seu nome real, segundo o mesmo contou, ele tem esse nome pelo fato do seu pai ser um grande fã do jogador argentino Carlos Mac Allister, ex-lateral esquerdo que jogou pelo Boca Juniors na década de 90. Lembro-me do seu primeiro lançamento “99 Escalas de um Voo Perdido” onde ele divulgou para nós e que hoje o videoclipe tem mais de 100 mil visualizações no YouTube. É um rap mais complexo, psicodélico e introspectivo, com fortes influências do LoFi, Cloud e Experimental, mas sem perder a essência máxima do boom bap e as letras conscientes de alto nível. Seu primeiro EP (Extended-Play) “Makalister Renton”, lançado em 2015, também recebi em primeira mão, um trabalho de 4 músicas com basicamente tudo o que vimos em seu verso na cypher, uma das rimas mais difíceis e codificadas que eu já ouvi. O trampo foi feito em Floripa, com participações de Maydana, uma moça com um belo vocal e produção de Goss.
Maka passou a ser mais reconhecido e então lançou no ano de 2016 mais dois trampos, “A Terça Parte da Noite”, outro EP, que foi o trabalho que o fez aparecer mais pra cena e a mixtape Laura Miller, mostrando a autenticidade do artista e trazendo algo nunca antes visto no rap nacional, com diversas referências e metáforas ao nosso lado mais carnal. Expandiu-se e apareceu de fato na cena de modo geral, ao colar no Poetas no Topo e deixar todo mundo boquiaberto com suas multissilábicas e versos geniais, desde então, Maka tenta se fixar no topo, sendo um dos grandes nomes do cenário hoje.

BK’

Sendo mais interessado no funk das antigas, passou a colar posteriormente nas batalhas de rima, passou a curtir rap com a fama da Batalha do Tanque e similares na Lapa e Catete, em conjunto com a Roda do KGL. Entrou de fato no rap como integrante do grupo Néctar Gang, que faz parte da banca do Bloco 7, composto por MC’s, beatmakers, grafiteiros, skatistas, entre outros. BK’ tem boa base na parte audiovisual, ele tem curso de fotografia e já foi um dos videomakers do grupo no começo, antes do mesmo se interessar integralmente ao canto.
Com o lançamento pela conceituada produtora do Rio Café Crime, Néctar Gang lançou o álbum Seguimos na Sombra, em abril de 2015, saindo do underground para uma crescente, num processo que gerou o reconhecimento nacional dos integrantes da gangue formando o selo independente Pirâmide Perdida e os lançamentos solo de BK’.

BK’ seguiu na sombra até que em 2016, lançou um dos discos mais bem trabalhados do ano e que alcançou um número incontável de pessoas, com o que já pode ser considerado um clássico do ritmo e poesia que gostamos. Castelos & Ruínas é o primeiro registro solo de BK e fala basicamente sobre a vida de Abebe Bikila e seus pensamentos desde os mais insanos até os mais puros. Com produções de El Lif Beatz, JXNVS e Goribeatz, o álbum traz 11 faixas de primeiríssima qualidade, com participações apenas de Luccas Carlos e Ashira Wolf, onde o momento mais introspectivo de BK pôde ser exposto ao público de uma forma única, formando esse castelo e ruína com o melhor do boombap, além de influências do funk proibidão e rap Golden Era até o hip-hop alternativo e mais experimental. Com um hype já justificado, BK aparece como o grande nome da cypher até então, sendo digamos assim: a camisa 10 do time, que cadencia o jogo e chama a responsabilidade para si. E fez muito bem.

Hoje, o rapper carioca segue em alta, sendo um dos principais nomes do estilo que amamos, saindo da grande promessa para uma realidade já consumada, com direito a prêmios e reconhecimento dentro da cultura, cantar Vida Loka Parte 2 com Mano Brown e Djonga diz tudo...

Djonga

O que dizer do menino Djongador, a Sensação? O mais autêntico do som, que trouxe a essência total de um rap anti padrão, Djonga teve uma caminhada parecida com a de BK’, participou do grupo DV Tribo em conjunto com o coletivo GE (Geração Elevada), com outros nomes de muita qualidade de Minas Gerais. Djonga sempre foi envolvido com a escrita e teve essa aspiração de artista ainda em Belo Horizonte, quando lançou seu primeiro som gravado em 2014, a música Corpo Fechado que mostrava a cara de um dos mais novos talentos do rap. Em 2015 lançou seu primeiro trabalho ainda solo, Fechando o Corpo, com 7 músicas, um álbum lado B, que não teve seu devido valor e acabou ficando na cena underground de BH.

Após lançamentos em 2016 mais sólidos, com produções mais elaboradas, lyric vídeos e divulgações pelo grupo DV Tribo, Djonga explodiu e passou a surgir no cenário, com um estilo ousado, inspirado pelos anos 90 do rap, rock e também do funk carioca. Djonga também possui lírica e metáforas ligadas ao MPB, como foi mostrado na capa de seu álbum solo “Heresia” em março de 2017, inspirado na foto do disco Clube da Esquina dos mestres Milton Nascimento e Lô Borges, de 1972. O disco foi um grande marco não só ao rap mineiro, mas se expandiu ao Brasil inteiro, com influências muito ecléticas, que revelam o que é Gustavo e ao mesmo tempo o artista-personagem Djonga.  De fato, sua aparição em Poetas no Topo ajudou ainda mais a projetar o emcee a nível nacional, sendo hoje um dos grandes nomes da cena, com um disco quente e participações diversas que contabilizam milhões de views no YouTube.

Menestrel

Com apenas 17 anos, Menestrel impressionou a todos ao participar do Poetas no Topo, o rapper de Brasília era o mais desconhecido entre os participantes da cypher  - e confesso que fez as rimas que eu mais gostei  - chamando muita atenção do público que passou a desacreditar da sua idade real. Menestrel se interessou pelo hip-hop com 14 anos, com fortes influências de sua família, que contém músicos e instrumentistas. Passou a ouvir o rap local e iniciou sua carreira com 16 anos no grupo Mandala e integrando o selo coletivo BOCA, de Ceilândia – Distrito Federal, junto de nomes fortes de BSB como Froid e LiFlow. Ouve desde Cássia Eller até 3030, tem em seu som um estilo único e uma voz meio rimada, meio cantada, sob samples finos de jazz e bases lentas, ao melhor estilo Um Barril de Rap.

Participou da música em convite dos donos do projeto e indicação de Froid, que foi quem alavancou sua carreira, ao fazer um som em participação chamado “Lamentável”, lançado em setembro de 2016, dois meses antes do lançamento da cypher. Menestrel passou a surgir para a nova cena do rap se tornando uma das grandes promessas nacionais, com sua originalidade lançou “Relicário”, em maio de 2017, expos sua idade, CPF e nome verdadeiro na capa, sendo assim um trampo relevante que abriu os caminhos de Yan para a cena. Com 10 faixas, produção classe por DJ Caique, Slim, TH, Mazili, WellDone e Jr. Branko, participações de Diomedes Chinaski, Sampa (Um Barril de RAP), Victor Xamã e Sant, o álbum foi considerado um dos grandes trabalhos do ano.

Sant

Outro jovem que vem mudando a cena e a realidade brasileira através de sua arte, nascido em 1994 na Zona Norte (ou O Mundo ao Norte como o mesmo costuma dizer) do Rio de Janeiro, Sant’Clair é um dos músicos mais maduros e conscientes dentro do hip-hop. Começou no rap através de batalhas, inspirado por seu grande mentor MC Marechal, um dos nomes mais relevantes do século 21 no hip-hop, que o escolheu para fazer parte do seu selo #VVAR (Vamos Voltar A Realidade), seguindo a filosofia Um Só Caminho, que tem como objetivo utilizar de princípios de conhecimento e raízes para composição de suas letras. Sant ganhou reconhecimento ao lançar o single É o Rap, no ano de 2014, onde o fantástico emcee se apresenta ao publico, falando sobre espiritualidade, reflexão e inspiração aos mais jovens que se interessam pelo movimento. Em 2015 com um nome mais fixo na cena, lançou “O Que Separa os Homens, dos Meninos, Vol. 1”, contendo 6 faixas com a mão de nomes como Luiz Café, Mr. Break, Damien Seth, Carlos Café e o próprio Marechal, que mostram a real face de Sant, caracterizando a diferença entre ser um homem e um menino dentro do game, afinal lançar o primeiro trampo solo sob observação desses monstros, não deve ser fácil.

Com a promessa de mais edições do álbum, Sant seguiu fazendo sucesso, com demais participações em outros sons e singles, participou de Poetas no Topo e trouxe consigo uma das linhas mais incomuns já ouvidas. A palavra “merda” foi citada 17 vezes durante a música, após uma conversa com BK, que serviu de ponte na música: “Coé Sant, pega a visão menor, chuva de MEC. Só pode falar merda na música fechou?“ 

Esse lado irônico e esperto de Sant, mostrou uma criatividade afável que o alçou em um patamar ainda mais alto. Atualmente, o carioca é um dos melhores letristas da cena, alcançou muito reconhecimento e faz parte do coletivo “d'O Mundo ao Norte “, que contém artistas em diversos âmbitos como DJ LN, Kayuá e Tiago Mac, onde por eles são feitos diversos movimentos culturais urbanos, que vão além da música.

JXNVS

Jonas Chagas não tem como foco principal rimar, ele talvez seja o Dr. Dre que não merecemos, dadas as devidas proporções. JXNVS faz parte do coletivo Bloco 7 e Pirâmide Perdida, é um fiel escudeiro de BK’ e já produziu diversas tracks para artistas de todo o cenário do rap nacional. Além de produtor é DJ e de vez em quando solta umas linhas como em Poetas no Topo e vocal de apoio em shows.

JXNVS começou soltando beats no SoundCloud como 95% dos homeproducers do mundo. Em parceria com a Café Crime, meteu a cara e produziu por falta de beatmakers para montar as bases na época, aprendeu por conta própria e passou a utilizar samples muito bem selecionados, com vinis em sua maioria bem raros, segundo o próprio relatou em uma das anotações no Genius: “[...]tenho algumas reliquias em casa q ainda nem sampleei, pra achar tive q pesquisar bastante!” Participou do grupo Néctar Gang e desde então vem crescendo com serviços para artistas como Luccas Carlos, Sain, Akira Presidente, entre outros, foi essencial para a parte musical de Castelos & Ruínas (lembra dele?), um dos melhores álbuns de 2016. A mão de JXNVStradamus também se fez presente no EP de 3 faixas de BK: Antes dos Gigantes Chegarem Vol. 1, que contou com 3 videoclipes exclusivos e produção de JXNVS em “Take Your Little Vision”, se consolidando enfim como um dos melhores na atualidade, mas lembre-se, seus beats não são desse mundo.


Tendo isso em vista, o objetivo desse texto é mostrar a caminhada dos artistas que compuseram a primeira parte da cypher Poetas no Topo e a maneira que chegaram até lá. Hoje em dia, todos os componentes do projeto possuem uma carreira fixa e creio que o público conhece os trabalhos da maioria e caso não conheçam, recomendo ir atrás porque tem conteúdo de sobra, aliás, esses Poetas estão tão no topo que a cada dia, começo a achar que são de outro plano, de fato!